Quando António Variações morreu em 1984, nada era como hoje. A SIDA não era uma doença crónica mas algo que matava quase fulminantemente, e António Variações era considerado, por poucos, um visionário e uma personagem singular no panorama musical e artístico português. Também, nesses tempos, a maioria das bandas e dos artistas, com a excepção dos Street Kids, Heróis do Mar (que foram a banda dele no último disco e, dos poucos, segundo se relata, que não o esqueceram e viraram costas depois da doença), Tantra, e do António Variações, e de poucos mais, não tinham um conceito de imagem. No entanto, talvez seja injusto dizer que António Variações tinha uma imagem para venda. Parece-me a mim que o seu visual era singular todos os dias e não apenas entre o camarim e o palco.
Nesta momento, em que se alerta mais uma vez sobre o grande problema que é a SIDA no nosso país, e que se comemora o aniversário da morte António Variações, roubado a nós por essa doença cega, parece-me uma óptima oportunidade para editar "Humanos".
Os Humanos são um agrupamento compreendido por alguns dos músicos mais talentosos do nosso panorama - Helder Gonçalves, Nuno Rafael, Manuela Azevedo, Camané, David Fonseca, que pegam em oito temas inéditos, e quatro anteriormente editados, de António Variações, e dão-lhe a sua visão.
Infelizmente, ainda não ouvi o disco mas fiquei curioso ao ler hoje uma das críticas ao mesmo.
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Para o António Variações , que esteja bem onde está, e para todos aqueles que morreram, novos e velhos, desta doença ou de outra, em guerra ou em paz:
Se Eu Morrer Novo
por Alberto Caeiro em 1915
Se eu morrer novo,
sem poder publicar livro nenhum
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.
Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.
Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.
Não desejei senão estar ao sol ou à chuva -
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo
(E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.
Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela unica grande razão -
Porque não tinha que ser.
Consolei-me voltando ao sol e a chuva,
E sentando-me outra vez a porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraido.